Por Sueli de Souza Cagneti



Diz a neurocientista Susan Grenfield[1] que “O ser humano sempre ouviu histórias e preservou a memória. Agora tudo não passa de ação e reação.” (VEJA, 09/01/13, p.15). Sua discussão, naturalmente, passa pelo abandono – atualmente - das narrativas que vem sendo substituídas pelos dispositivos interativos (smartphones, tablets, computadores) que – ao não convocarem a memória - provocam alienação crescente.

Felizmente numa linha contrária, a literatura brasileira, especialmente a voltada para jovens e crianças, tem colocado em livros contos, lendas e mitos preservados pela oralidade, quer dos povos indígenas, quer dos povos africanos e seus descendentes, que povoaram e continuam povoando o imaginário brasileiro.

Dentre esses recolhedores e transmissores encontra-se Cristino Wapichana, natural de Roraima, cujo trabalho maior tem sido a revitalização e o resgate cultural wapichana. Entre seus livros encontra-se A onça e o fogo. Nele encontramos a história da grande luta entre a onça e o fogo, em tempos em que os animais falavam e que a onça andava ainda sobre duas patas e era totalmente branca, possuindo grandes e afiadíssimas garras.

Após provocar vários animais para um embate, querendo exibir sua força, resolveu desafiar o fogo. Acaba assim por ter o corpo todo coberto de manchas de queimadura e ter seus dedos e garras encolhidos, preservando até hoje a transformação ocorrida.

Estamos, portanto, diante de mais um belo texto registrado por um indígena, baseado no patrimônio cultural de seu povo que a oralidade foi passando de geração a geração. Um bom jeito de voltarmos às narrativas que miticamente nos dão pistas de como as coisas surgiram e ou foram se transformando, num procedimento muito típico das culturas ancestrais, ora recolhidas, como o quer Cristino Wapichana. E, acredito, que nós também.



FICHA TÉCNICA:



Obra: A onça e o fogo

Autor: Cristino Wapichana

Editora: Amarilys

Ano: 2009






[1]Professora da Universidade de Oxford, pesquisadora em doenças degenerativas do cérebro.


2006 - Chegada de Emília e Pinóquio (performance dos prolijianos Alcione e Cleber) na Università per Stranieri de Perugia- Itália



Por Maria Lúcia Rodrigues

“Há muitos e muitos anos, quando o mundo era bem diferente – havia poucas cidades e as onças uivavam soltas pela mata -, nasceu um menino (...)”.

Para aqueles que não conhecem a história de Zumbi dos Palmares, Janaina Amado e Gilberto Tomé trazem até nós Zumbi, o menino que nasceu e morreu livre. A linguagem literária utilizada por Janaina e as imagens de Tomé tornam a história de coragem e sofrimento dessa personagem, um exemplo de luta pelo direito à liberdade e ao respeito às diferenças entre as etnias e suas culturas. O menino que vira homem guerreiro e morre defendendo seu povo, permanece lembrada até nossos dias, e sua morte virou um grito em nome da consciência de um povo belo, colorido e dançante. Tomé orna de tons pastéis o livro em composições que dialogam com o texto verbal convidando-nos a virar devagarzinho as páginas dessa história, para que jamais esqueçamos aquele Zumbi e os outros Zumbis negros, brancos e pardos de hoje que - com poesia multicor - lutam por seus direitos e pela cultura afro-brasileira. Não dá pra ser indiferente a Zumbi.

FICHA TÉCNICA:

Obra: Zumbi, o menino que nasceu e morreu livre
Autora: Janaina Amado
Ilustrações: Gilberto Tomé
Editora: Formato
Ano: 2012

2004 - Congresso Internacional de Literatura infantil, em Presidente Prudente-SP.


Por Áurea Cármen Rocha Lira e Sueli de Souza Cagneti

        Que Pedro Álvares Cabral tenha sido nome forte quando se trata de feitos marítimos portugueses, não há o que se discutir, mas que foi menino sonhador, nascido com o desejo de se aventurar no mar, convidado a desafiar seus perigos, é questão que bem poucos imaginam com tanta sensibilidade poética quanto Lucia Fidalgo em sua obra Pedro, menino navegador, pela editora Manati, 2000.
Ela apresenta-nos esse velho/novo homem, acompanhada pelas ilustrações de Andreia Resende, as quais criam espaço para sonhos, como os que, segundo a obra, acompanharam o Pedro menino ao Pedro capitão-mor.
No texto, esse chefe de expedição portuguesa, na pretensão de aportar em outras terras, chega ao solo nacional, mais especificamente no que batizou Ilha de Vera Cruz. E pasmem: sonha naquela noite com homens de “rostos pintados” que choravam sem parar ao questionarem a liberdade que lhes seria retirada. E, se não bastasse, ele do sonho passa à realidade ao constatar que as terras, já tinham sido descobertas, tinham dono: os indígenas brasileiros.
 O livro prossegue com conhecidos fatos (carta ao Rei de Portugal relatando as novidades da nova terra, desejo despertado por prata, pedras, etc), mas na contramão aponta verdades veladas: “índios descobriram que portugueses queriam mais do que ofereciam”, pois “sabiam a verdade mais verdadeira sobre todas as coisas do mundo”.
Pedro alcançou um sonho: o de ser um grande navegador, mas a tristeza do outro, aquele em que via os indígenas chorando, transfigurou-se no crescente pesadelo que é a vida dos indígenas brasileiros na atualidade.

FICHA TÉCNICA:

Obra: Pedro, menino navegador
Autora: Lucia Fidalgo
Ilustrações: Andreia Resende
Editora: Manati
Ano: 2000

Contação de histórias para o Programa Visite - UNIVILLE.


Por Cleber Fabiano da Silva
               
         Desprovidos de protagonismo e versões próprias de sua história, nossos povos indígenas passaram despercebidos – quando não invisíveis – nos temas e conteúdos curriculares das escolas brasileiras. Com alguma presença em livros didáticos, raríssimas em literários, pairavam romanticamente ou miticamente ligados a uma história de luta e resistência, habitantes de uma Atlântida perdida, impossível de se conhecer ou viver.
Aos que se concediam o “ar da graça” de figurar entre os brancos, eram heróis descritos ao modelo europeu e transformaram-se em clássicos da literatura, óperas, filmes, novelas, enfim, sem quaisquer vínculos com a realidade dos homens tangíveis do país. Outras vezes, sua aparição atrelava costumes dos povos ameríndios da América do Norte, emprestando deles características físicas e culturais distantes das nossas centenas de nações indígenas.
Felizmente, em tempos recentes, uma série de discussões legais e curriculares traz à tona todas essas questões sobre a identidade, alteridade e valorização cultural. Para conhecer mais de quem somos como povo e indivíduos, vale a indicação da obra: Brasil Indígena: 500 anos de resistência, de Benedito Prezia e Eduardo Hoornaert. Nele, os autores apresentam a história, a cultura, a organização social de nossos ancestrais, dos coletores, horticultores, agricultores e ceramistas, passando pelas primeiras culturas urbanas e os povos emergentes.
Os capítulos primeiros ressaltam o lugar de destaque dos indígenas brasileiros em meio a outros povos nativos do continente americano, mostrando também importantes impérios pré-colombianos, explicando – didaticamente - a terrível história dos massacres, desde as conquistas marítimas, as invasões européias, os bandeirantes, as reduções do Paraguai, a conquista e resistência na Amazônia, as guerras do século XIX até a questão Rondon no século XX. 
A última parte do livro, intitulada: Construindo os outros 500 anos, promove uma reflexão acerca das possibilidades para os novos tempos, levando em conta as lutas por justiça, terra, liberdade e garantias constitucionais. O apêndice é um farto e rico material que informa sobre os variados troncos liguisticos, as organizações e entidades de apoio, bibliografia e vídeos sobre a questão indígena. Eis uma obra de referência, principalmente para professores e pesquisadores que desejam (e precisam!) conhecer mais para iluminar tantos séculos apagados e silenciados de nossa memória coletiva.   

FICHA TÉCNICA:

Obra: Brasil Indígena – 500 anos de resistência
Autores: Benedito Prezia e Eduardo Hoornaert
Editora: FTD
Ano: 2000
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